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quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

a invencäo do eu no amor enquanto paixäo

O amor romantico (o amor enquanto paixäo), aquele das cartas infinitas, dos telefonemas intermenináveis, dos  coracöes derretidos, é um fenónemo da época moderna, diz N. Luhmann.
"Näo é um sentimento, mas um código de comunicacäo, sob cujas regras podemos expressar sentimentos, construir, simular, suspeitar de outrem, negar(...), é um modelo de comportamento, que pode ser representado, que está à nossa vista, antes de embarcarmos partindo em busca do amor".
Amor enquanto paixäo é um "meio de comunicacäo simbolicamente generalizado", que torna provavel uma comunicacäo improvável.
Porquê "comunicacäo improvável"? Porque uma "autentica" comunicacäo é impossivel. O outrem para além do meu eu é infinitamente inacessivel, para além do meu Eu (que nem Freud, nem Marx, nem a mecanica quantica até hoje me conseguiram dizer quem ele é) Ding-an-Sich kantianos sem fim.
O amor enquanto paixao baixa o limiar do "autentico" nessa comunicacäo impossivel, permite uma simulacäo de "autenticidade", ou, nas palavras do proprio Luhmann "as pessoas reduzem o limiar de relevancia no relacionamento entre elas, com a consequencia de que aquilo que é relevante para um é quase sempre também relevante para o outro."
Porquê um "fenómeno da época moderna"  e näo uma constante da condicäo humana, ou uma constante da vida? Porque ali, na burguesia do seculo XVIII se alicerca a diferenciacäo funcional dos nossos dias, em que o individuo se encontra numa "policontexturalidade comunicativa" que dificulta a interacäo germinadora de identidade e inventa o recurso à intimidade, ao amor enquanto paixäo, "disposicöes semanticas que possibilitam apesar de tudo o sucesso de comunicacöes improváveis. 'Posibilitar o sucesso' significa: aumentar a susceptibilidade de comunicacäo de forma que se ousa a comunicacäo näo a abandonando à partida como ilusória".

Näo é o "sentimento" (que é subjectivo e instrasmissivel), mas o código de comunicacäo -o dispositivo semantico gerador de sentido - que é compreensivel, porque objectivavel e historicamente observavel (nas cartas de amor, na poesia, nas literaturas) que é o tema.
Amor enquanto paixäo, o amor dos nossos dias, é o amor passivo, do qual somos "vitimas", o qual näo podemos evitar. O (in-)dividuo que se descobre como ser divido em inumeros papéis, procura a sua identidade (como totalidade, como in-dividuo), cria o seu sentido, baixa o limiar de relevancia, e re-encontra-se, cria-se ou, mais nietzscheniano, inventa-se.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

swinging diamonds (Diamantes em corda bamba)

há uma teoria, segundo a qual näo säo os seres que pensam as ideias, mas as ideias que elegem onde pousar, como uma abelha pulando de flor em flor. Há alguns seguidores dessa teoria que creem que säo as ideias o real, e que tudo o outro säo fantasias - fantasia o crime, fantasia o desespero e a fome, fantasia também o beijo apaixonado, fantasia o desejo. Creem os mais radicais defensores desta escola, que as ideias inventaram os seres (entre eles os humanos) para poderem discursar, quicas por tédio, e para poderem progredir, quicas por curiosidade.
Acontece com frequencia que algumas ideias nunca visitam certos seres, outras visitam-nos mas demasiado cedo, os seres ainda näo ´maduros´ para elas. Acontece também que algumas chegam demasiado tarde - creem os defensores mais radicais que a morte de um ser é a juncäo de todas as ideias num ultimo suspiro, numa derradeira queda. Há outras ideias que preferem certas espécies ou certas geografias ou mesmo climas especificos.
Há algumas ideias mais nobres, que necessitam serem introduzidas por outras. Algumas säo täo complexas que levaram os seus pensadores à loucura, ao suicidio, à eternidade outros. Algumas säo inclusivamente impensáveis, como o Pi e a quadradura do circulo, ou o infinito ou o infimo. Há uma lenda também. que canta que as ideias säo um castigo dos Deuses, pela soberbia insensatez de alguém que um dia ousou imaginar o Absoluto.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

poesia & auto-poiesis...

para estragar-me esta tarde de Veräo cinzento, deparei-me como em tropeco numas páginas de Borges, a transcricäo de uma série de conferencias que este deu no Teatro Coliseu em Buenos Aires em 1977, posteriormente compiladas em "Siete Noches". As páginas do meu tropeco (näo sei em que época do ano foram proferidas as palavras correspondentes, mas indubitávelmente na mesma estacäo que a minha - como o Inverno portenho corresponde a este Veräo centro-europeu) levam por titulo "A Poesia", e säo umas quantas consideracöes sobre a poesia em geral e sobre dois poemas. O primeiro deles é um soneto de Francisco de Quevedo, uma figura do barroco, nascido algumas semanas após a morte de Camöes, numa Peninsula Ibérica unificada, (o tal que escreveu a obra perdida "História de Don Sebastiao, Rey de Portugal"), a seu tempo secretário e amigo pessoal do Gran Duque de Osuna, Pedro Tellez-Giron.
Canta Quevedo:

Faltar pode à sua pátria o grande Osuna
mas näo a sua defesa as suas azanhas
deram-lhe morte e carcel as Espanhas
de quem ele fez escrava a Fortuna
...
O pranto militar cresceu em diluvio
deu-lhe o melhor lugar Marte em seu solo
a Mosela, o Reno, o Tejo e o Danubio
murmuram com dor o seu desconsolo



Analisa Borges que

"Quevedo deixou-se arrastrar pela ideia de um herói chorado pela geografia das suas campanhas e por rios ilustres. (...) Houvera sido mais verdadeiro dizer a verdade (...). Com a morte [de um ser humano] morre uma cara que näo se repetirá, segundo observou Plinio. Cada ser humano tem uma cara única e com ele morrem milhares de circunstancias, milhares de recordacöes. Recordacöes de infancia e rasgos humanos demasiadamente humanos. Quevedo parece näo sentir nada disto. Havia morrido na carcel o seu amigo, duque de Osuna, e Quevedo escreve este soneto com frialdade."

É senso comum que os unicos e verdadeiros amigos säo os amigos que sentem e vivem a amizade sem exaltacäo e com sobriedade, que a amizade por exaltacäo é uma amizade por algo näo existente, por uma mera projecäo (nas palavras de Aristoteles, no nono livro da Ética a Nicomachos: "näo se amavam um ao outro, mas sim aquilo que estava em eles, e isso näo era duradouro"). É senso comum ainda, que há um caminho e uma árdua tarefa antes de conseguir estabeler um elo de ligacäo entra a projecäo que cada um de si faz e o que cada um é (é dificil também tornar-se amigo um de si mesmo). Näo sei se será ainda senso comum, que esse elo de ligacäo é uma tarefa infinita, e como tal, talvez seja conveniente ir cumprindo-la com uma boa racäo de prazer.

Recordei-me näo sem algum assombro que 1977 é annus horribilis na história argentina, de plena "Guerra Suja", a Junta Militar do General Videla, Desaparecidos, as Maes da Praca de Maio... e que enquanto Borges proferia a sua conferencia sobre Quevedo, quizas na mesma manzana (o quarteiräo portenho), uma outra poesia, esta terrivel e sangrenta, se realizava.

Näo sei quem disse que "nos tempos que passam é um crime falar de poesia", o que é verdade - mas täo verdade é também a sua inversäo "nos tempos que passam é um crime näo viver em poesia".

Borges terminou essa conferencia em 1977 com um verso de Angelus Silesius lido em alemäo , que vai assim:

Die Rose ist ohne warum; sie blühet weil sie blühet.
(A rosa é sem porque; floresce porque floresce.)
Angelus Silesius

acrescento como epilogo:

Der Dorn hat einen Warum...!
O espinho tem um porque...!

P.S.

Complicada esta coisa da Poesia. Auto-poiesis é o processo de autocriacäo e automanutencäo de um sistema. Consta que a vida é autopoiética, e a poesia como parte da vida... Autopoiético também este sorridente entardecer de um céu de veräo cinzento, por trás do qual descortino imensos palcos azuis. Também ele näo tem porquê.

Athene noctua

A coruja (o simbolo do pensamento metafisico na Europa antiga) simboliza o envelhecer do mundo, que resultou das primeiras culturas em redor do Mediterraneo; representa uma forma de observar, para a qual, tanto no bem como no mal sempre tem sido demasiado tarde.(...) No ultimo saber estäo lacradas as ultimas palavras das coisas e estäo depostas as suas necrologias.
Peter Sloterdijk: Kopernikanische Mobilmachung und
ptolemäische Abrüstung (mobilizacäo copernicana e desarmamento ptolemaico)

Dizia Schrödinger que a vida é um estado de desequilibrio (o equilibrio seria e é a morte). O "ultimo saber" de Sloterdijk é um livro escrito no Impossivel, algo que nos seduz por näo existir, näo podendo também näo ser imaginado. É o olhar estupefacto da coruja, aquela que ve na noite (mais correctamente do mocho-galego, da Athene noctua), companheira da insuperável Athena, deusa da sabedoria. É quicas, o que o cosmopolitismo popular expressou posteriorment num proverbio, "levar corujas para Atenas" (fazer algo inutil).

quinta-feira, 24 de abril de 2008

PETER SLOTERDIJK: fast food & fast aesthetics

Peter Sloterdijk
In: Mobilizacäo copernicana e desmilitarizacäo ptolemaica

Se o espirito do tempo e a musica dos pardais desde sempre foram identicos, basta entäo assobiar este juizo comovente dos telhais, e um novo espirito do tempo nasceu, que tem a sua substancia na cognicäo de que todos os pardais estäo à mesma distancia do céu - pressupondo que tenham um telhal do qual possam assobiar. A Postmoderna é um sistema auto-poietico, que se comeca a estabilizar, no momento em que uma massa critica de pardais comeca a cantar dos telhais que näo ve porque näo pode também cantar dos telhais da forma que lhe ensinaram que näo deveria cantar. Deste modo a Postmoderna marca, de uma perspectiva optimista, um estádio evoluido de democracia estética: os passaros inteligentes do Ocidente chilream sobre as cabecas do publico que no futuro será tomado como arte avancada, näo importa o que seja assobiado dos telhais. (...)
Estas consideracöes retomam uma questäo que Jürgen Habermas recentemente colocou em discussäo sob o titulo A Nova Falta de Visäo Geral(...). Caracteriza um efeito que esta pegado nas novas fabricacöes de visäo do mundo. Se inumeros individuos esbocam perspectivamente e por mäo propria as suas Novas Sinteses, para ganhar uma vista geral no Caos do Tempo Moderno, entäo a soma da confusäo cresce exponencialmente. Uma outra visäo geral sobre as Novas Visöes Gerais, reconhece necessáriamente Nova Falta de Visäo Geral. (...) "A arte está em todas as partes, porque a obra de arte está no coracäo da realidade." (Jean Baudrillard)


NOTAS
auto-poiesis: que se origina a si mesmo

Materiais:
Peter Stloterdijk: Kopernikanische Mobilmachung und ptolemäische Abrüstung

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

HANS BLUMENBERG: Deuses emigrados

traducäo provisória
com anotacöes e tudo, assim se cria uma traducäo...

Deuses emigrados

Dizia Epicuro, que os deuses viviam nos intervalos [C1] entre os Mundos[C2] .

Com isso conseguiu duas coisas: Os deuses não se preocupavam com os Mundos, tinham-lhes virado as costas e conseguiam[1] assim alcançar a sua feliz despreocupação[2] ; mas se eles não se preocupavam[3], não necessitava também o ser humano de se preocupar[4] com eles, pois deles nada tinha a esperar. Entre os mundos estava o espaço vazio, e espaço vazio era para os gregos a única possibilidade de se imaginar o Não-Sendo, de tal modo, que aquilo que lá habitava, paradoxalmente ao mesmo tempo nem sequer existia.

Já não temos mais a teologia de Epicuro. Estamos portanto livres, para imaginarmos nós mesmos, como se chegou à estadia arriscada dos deuses nos inter-mundos[5]. Porque, pressupor que hajam aí vivido desde os primórdios, seria certamente um menosprezo da história, que aí é narrada. Não referindo sequer, que os gregos não se teriam deixado transferir os seus Deuses residentes no Olimpo por uma mera afirmação no espaço vazio, se não houvesse para tal uma história sólida.

Julgo Epicuro capaz de haver narrado esta história algures na sua teologia. Segundo ela, os Deuses teriam abandonado a terra e o cosmos, para se retraírem nesses tais espaços infinitamente vazios, perante os quais Pascal muito mais tarde viria a atemorizar-se.
Mas porque razões haviam eles partido? No Olimpo haviam tido uma vida plena de comodidades: néctar, ambrósia, desentendimentos subtis sobre as questões dos seres humanos lá em baixo e, através da sua arte da metamorfose, o acesso a qualquer momento, ao enriquecimento do prazer terrestre. Não havia razão para sair.

Ou sim? Terá que haver penetrado no seu monte encoberto em nuvens uma noticia, uma mensagem, que os desconduziu, a residir ali, e a olhar para baixo, com a simplicidade [5b] de Deuses que haviam imaginado a única.

Epicuro sabe, qual noticia foi, e converteu-a no triunfo da sua filosofia atomística: há muitos mundos, infinitamente.

Então, tudo o resto se desenrola por si mesmo. Em nenhum destes mundos os Deuses houveram podido suportar, porque eram todos iguais entre si e nenhum podia oferecer uma vantagem, que o houvera antes de outros tornado digno do estabelecimento dos Deuses. Assim, moveram para a pureza da indiferença do espaço vazio.
Não se poderá interpretar a história, como se os deuses somente através de um filosofo da escola atomistas como Demócrito ou Epicuro os Deuses houveram sido leccionados, de que o mundo então até lá por eles dominado só era um por entre infinitamente muitos. Houvera a sua sapiência dependido dos filósofos, necessitariam somente haver acreditado ao Aristóteles, que havia encontrado as razões mais sublimes para a unicidade deste cosmos, em que tudo o que é, tem o seu lugar. Como Plato ao Demócrito, assim transpôs Aristoteles com a sua influencia póstuma os mundos de Epicuro. Por ultimo através do Deus, que a si mesmo se havia contradito, haver criado e ter que salvar mais que um mundo.


Não, os olímpicos têm previamente haver tido conhecimento da grande verdade da não-singularidade deste mundo. Quando os filósofos chegaram e começaram a ensina-lo infrutiferamente, já o efeito dos Deuses sobre os Humanos tinha de tal forma atenuado, que só se pode explicar com a partida já concluída para os espaços entre os mundos. Foi Epicuro, que aí novamente os encontrou e que até pode esclarecer, porque somente aí eles poderiam estar, se tal fora possível.

O único, que lhe restou da sua pátria helénica, e o que também por mais tempo dos seus países resta aos seres humanos e os converte em estranhos no estrangeiro: a língua. Ainda longe de todos os mundos, nos inter-mundos, mantêm os Deuses as suas conversas infinitas – grego. Epicuro ouviu-o. Porque nada se perde no seu mundo atomístico: as imagenzinhas não, que se soltam de tudo e perpetram o espaço, para em nós se converterem em conhecimento, e não as palavras faladas. Em que também se poderia converter, o que não fica?

[1] Verschaffen: conseguir, arranjar, proporcionar (eu havia colocado lograr)
[2] Sorglosigkeit: sossego, descanso, descuido
[3] Sorgen um: inquietar com (CA org. preocupavam)
[4] Ver nota 3
[5] Nesta frase surge mais evidente falar em intervalos entre os mundos (inter-mundos) e não em espaços
[5b] Einfalt: simplicidade, ingeninuidade (com alguma conotacäo perjurativa, aquilo que que é "simplorio")
[C1]É que intervalo pode ser temporal ou sonoro e este aqui é espacial

[C2]Com letra grande? Näo demasiado pretencioso?

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

captatio benovolentiae

captacäo de benevolencia: figura retorica em que o orador tenta assegurar-se da simpatia do receptor, servindo-de de expressöes aduladoras, hoje em uso inflacionário. Exemplos: "Estimados Srs., prezadas Sras" com que comecamos todas as nossas cartas, "Caros participantes, é com o maior orgulho e regozijo que usufruo da possibilidade de dirigir-lhes aqui a minha palavra". Desculpas, risos, entre-risos.

Na Grecia classica desconhece-se a captacäo de benevolencia. Exaltavam-se os deuses, adulavam-se as musas, evocavam-se as ninfas; aos (co)humanos dirigia-se a palavra. Näo se buscava a benevolencia, mas a atencäo, por isso os dialogos socraticos comecam com "oh, tu grande Socrates!", "oh, esbelto Alcibiades". Socrates inicia a sua apologia (aquela em defesa propria perante o Tribunal que o condenou à morte) com uma acusacäo de captatio benevolentiae aos seus juizes.
O que a vós, vós atenenses, os meus acusadores vos fizeram, näo sei. Eu, pela minha parte, quase que me esqueci de mim devido a eles, täo eloquentemente falaram.
Também na Roma antiga, é inhabitual o uso da mesma figura. Onde se poderia subentender captacäo de benovolencia, le-se adulacäo do regente ou seus representantes, sarcasmo em evidencia "E Brutus é um home honrado" repete com persistencia Antonius em tom de acusacäo contra um dos assassinos de Cesár, seu amigo.
A captacäo de benevolencia, como o Kitsch moderno, é a degeneracäo massificada do nobre. Talvez que a nossa era, aquela que os nossos corpos partilham, mereca dos vindouros o cognome de captacio benevolentiae. Constante nas mensagens dos politicos, nos canais televisivos, no rádio, acabou por invadir o nosso dia a dia, as relacöes outrora amistosas, o nosso interior. Significa hoje em dia näo mais a submissäo ao regente, mas o fim do espirito expedicionário, do prazer do incerto, da seducäo de novas paragens. Isto, vindo de um descente em linha directa de Vasco de Gama e Fernäo de Magalhäes, acrescenta uma nota trágica à questäo.
Há uma outra interpretacäo possivel, que no fundo vai dar no mesmo: é a do barroco interiorizado (a forma pela forma, o efeito pelo efeito, o Nada em tudo, o aplauso continuo), o manuelino em lexigrafia lusa.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Boca-Aberta em papel Sepia - Fenomenologia para principiantes

... fenomenos foi o titulo original da pagina que gendrou esta. Ficou em branco durante uma eternidade, acabou cedendo à luminosidade e, vejam só, como num Big-Bang, saindo do Nada (a tal disparidade de tensöes na estrutura do Nada) metaforseou (cambio de forma, de cor, de aparecer, de phainomenon, aquilo que se revela, aparece surge). A brancura prolongada, como a virgindade até fora de horas, converte-se em trauma, degenera em simptoma de enfermidade.
Boca-Aberta seria entäo uma versäo ChicoBuarquiana da Fenomenologia de Hegel. Boca-Aberta em papel Sepia, aquele que näo foi usado e que usamos em primeiro para näo perecer completamente inutil - isto uma concessäo ao envelhecer -, seria o titulo mais adequado para este registro.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

HANS BLUMENBERG: Os Nomes dos Juizes dos Mortos

versäo provisória
Bem, este Sócrates, que sempre afirmou de si, nada mais saber para além de nada saber, sabe até os nomes dos juízes no Tribunal sobre os Mortos: Minos, Rhadamanthys, Aiakos e Triptolemos. Nomeia-os na sua "Apologia" no mito, com o qual fecha o diálogo "Gorgias", o único mito, seja dito, ao qual Platão concede toda a verdade do Logos.
O mito do Tribunal dos Mortos tem um mito próprio da sua transição. O julgamento nem sempre foi somente realizado pelos mortos. Como muitas outras coisas, também isto havia sido alterado com a substituição das gerações de Deuses, de Cronos e seus titãs para a de Zeus. No limiar dos tempos titânicos os seres humanos foram, no dia da sua morte, julgados por juízes humanos e, segundo a constatação, enviados para a lha dos Abençoados ou para o Mundo Inferior das Sombras. Quando Zeus assumiu o domínio, havia, como geralmente sucede nos câmbios de poder, queixas sobre sentenças injustas, falta de perspicácia dos juízes.
O novo Deus criou um novo processo e deixou somente os defuntos serem julgados por juízes, igualmente retirados da vida e das suas parcialidades. Existe então a mera transparência. Todos os invólucros caíram, a nudez está perante a nudez, nenhuma retórica logra exercer influência sobre o Tribunal. É a exposição mítica da vitória da crítica socrática sobre a retórica sofística, que só podia dominar sob as condições de opacidade do corpo.
O dogmatismo cristão só em parte anulou o mito da reforma judicial de Zeus. Também para a escatologia teológica é decisivo que o crente saiba o nome do seu Juiz. Pertence às subtilezas deste capítulo dogmático que não é o Pai Criador do mundo que preside ao Grande Tribunal, mas o Filho: o filho de humanos de Nazaré, que prometera o seu regresso das nuvens celestes no dia do Juízo. Os destinatários desta promessa, ainda vivos eram originariamente aqueles que perante Ele teriam de comparecer. Só mais tarde, com o adiamento do fim do mundo, seriam aqueles, que ainda jaziam nos seus corpos, ressuscitados pelo toque das trombetas do Tribunal.
O rigorismo da ideia de Tribunal surge suavizado através da corporeidade em ambos os lados, como o comum entre o Deus Juiz tornado humano e aqueles a perante ele serem julgados. De qualquer forma, a sentença judicial estava já fixada no Livro da Vida. Como as sentenças absolutórias que o Apóstolo na Carta aos Romanos deixa garantidas na crença da morte e ressurreição do Salvador. Esta ideia da justificação como pressuposta absolvição relaciona-se com a convicção do Fariseu fiel à lei de que receio de punição e esperança de pagamento corrompem a orientação do cumprimento das leis. Resta finalmente colocar a questão, se com estas transformações da ideia originária se esgotaram as suas possibilidades. Se assim tivesse sido, Nietzsche não teria podido acrescentar a sua importante variante com o título clássico de “viagem pelo Hades”: O ainda vivo vê-se sob o olhar de Juízes de Mortos por ele próprio escolhidos. Ele existe e julga-se no seu presente imaginado segundo os parâmetros destes. Também ele, como Ulisses, houvera estado no Mundo Subterrâneo e estará ainda com frequência, participa Nietzsche de si mesmo. Nisso houvera elegido quatro pares de nomes, pelos quais quisera deixar ditar-se o justo e o injusto: O que eu simplesmente diga, decida, para mim e para outros pense: nesses oito fixo os meus olhos e vejo os seus olhos fixos em mim.É o pensamento que, na época da individualidade, se tornou possível, de que se elejam para Juízes dos Mortos aqueles que lhe são ou poderão vir a ser mais próximos na determinação do seu próprio. Será então um mito da ética como decisão para, e sobre, cada existência. Talvez ela nem sempre chegue tão decidida e tão abrangente aos seus nomes, como sucede com Nietzsche. Ele evoca para si: Epicuro e Montaigne, Goethe e Spinoza, Platäo e Rousseau, Pascal e Schopenhauer.
A atenção vai para o posicionamento das figuras e não para os conteúdos do seu pensamento. mira está a posição das figuras, não os conteúdos do seu pensamento. De outra forma Platão não poderia estar aí; e também não Pascal e também Rousseau não. Se Epicuro é nomeado em primeiro não é por mera casualidade, porque foi ele quem introduziu o pensamento elementar no mundo do seu jardim-escola ao, numa carta, inventar a formula do imperativo: Sic fac omnia, tamquam spectet Epicurus! Traduzindo livremente e apoiando-se no formulário do imperativo categórico de Kant: comporta-te de forma, a que a máxima do teu comportamento, seja aprovada por Epicuro.Um paradoxo poderá persistir na coisa: Talvez se precise uma vida inteira, para encontrar os nomes dos seus Juízes dos Mortos - a mesma vida, para a qual se houvera necessitado já tê-los encontrado, para ser aquele, que se houvera pretendido ser, para ser dignificado no seu juízo. Não basta portanto encontra-los e nomeá-los, mas sim também faze-lo a justo tempo. Para isso talvez seja conveniente, não cocmeçar muito tarde com a filosofia. O paradoxo reconduz a Sócrates.
Hans Blumenberg: A Completitude das Estrelas
Traduzido do original (Die Vollzähligkeit der Sterne) por Carlos Aguilar.
Cristina Pombo colocou os pontos nos is e as cedilhas nos seus lugares, deu umas quantas voltas na sintaxe sem as quais o texto teria ficado legivel, mas imcompreensivel. `Brigado, Tina

Hans Blumenberg: A Completitude das Estrelas

Traduzido do original (Die Vollzähligkeit der Sterne) por Carlos Aguilar.
Cristina Pombo colocou os pontos nos is e as cedilhas nos seus lugares, deu umas quantas voltas na sintaxe sem as quais o texto teria ficado legivel, mas imcompreensivel. `Brigado, Tina

NB:
Blumenberg escreve literalmente no segundo parágrafo: "O julgamento nem sempre foi somente realizado sobre os mortos". Intendido terá sido certamente "pelos" e näo "sobre os".

NOTAS PESSOAIS:
Algumas notas para, primeiramente, simplificar, e daí, complicar, e a partir de cada uma das simples complicações novamente multiplicar (a vida é um vídeo e não uma foto; uma foto é uma aberração sem vida).Nota da nota:simplificar, não dobrar, a raiz remete para o latim simplex, em alemão, einfältig = uni dobrado (mais correcto seria, não dobrado, ohne-, un-fältig, como no latim sine, embora o Langenscheid afirme que remete não para o latim sine, mas sim para o indo-europeu sem ("um"). A raiz mais esclarecedora encontra-se no francês plier (dobrar). Complexo, compliqué, vielfältig, com dobra(s). Simplificar, complicar, multiplicar, e em cada produto dessa multiplicação um novo simplificar, como eterno retorno, a roda viva, a vida.
Logos:
Razão, Verbo (palavra), discurso oral/verbal e escrito, sentido, referencial às ideias (Platão).
Platão: discípulo de Sócrates, e professor de Aristóteles, o grande trio da Grécia clássica. Sócrates, foi condenado pela democracia ateniense a beber o Schierlingsbecher. Para alguns, uma das autenticas causas - parece que têm um cunho pessoal, as "autenticas", as não pessoais são mais aparentes - porque Platão não figura entre os grandes apologistas da democracia.
Transição dos Deus:Ilha dos Abençoados, Campos Elisios:
Livro da Vida:Tema Blumenbergiano, aquilo que realmente dignificou a sua fama. Se a Vida é um Livro, é necessário aprender a sua linguagem, a sua sintaxe, a sua semântica e a sua etimologia, é a Legibilidade do Mundo. Por mais que houvesse um único exemplar do Livro do Mundo, por mais indubitável a sua credibilidade, são múltiplas, quiçá inúmeras, as suas possíveis leituras - o livro é completo no dualismo Livro/Leitor, não no monismo Livro/Escritor. E, porque essas possíveis leituras ocorrem em paralelo num mesmo espírito - como num romance policial em que o leitor joga múltiplas variações da motivação do assassino e da estratégia do comissário para antever o seu final - não é suficiente aprender uma gramática e um vocabulário, urge "sonhar" em metáforas para viver (que é um outro termo para o "conto" ou "narração" de Neil Postman). O trabalho do filósofo, curiosamente convertido em geólogo ou arquivista, consiste então na "metaforologia" (estudo das metáforas que como flechas atravessando um corpo se estendem pela historia da civilização).

Chronos e seus titãs

Zeus

Viagem pelo Hades

Ulisses

Epicuro e Montaigne

Goethe e Spinoza

Platão e Rousseau

Pascal e Schopenhauer.

Jardim-escola de Epicuro

Imperativo categórico de Kant:

Um agradecimento especial para as proposicöes da Isabel e da sua amiga Paula.