versäo provisória
Bem, este Sócrates, que sempre afirmou de si, nada mais saber para além de nada saber, sabe até os nomes dos juízes no Tribunal sobre os Mortos: Minos, Rhadamanthys, Aiakos e Triptolemos. Nomeia-os na sua "Apologia" no mito, com o qual fecha o diálogo "Gorgias", o único mito, seja dito, ao qual Platão concede toda a verdade do Logos.
O mito do Tribunal dos Mortos tem um mito próprio da sua transição. O julgamento nem sempre foi somente realizado pelos mortos. Como muitas outras coisas, também isto havia sido alterado com a substituição das gerações de Deuses, de Cronos e seus titãs para a de Zeus. No limiar dos tempos titânicos os seres humanos foram, no dia da sua morte, julgados por juízes humanos e, segundo a constatação, enviados para a lha dos Abençoados ou para o Mundo Inferior das Sombras. Quando Zeus assumiu o domínio, havia, como geralmente sucede nos câmbios de poder, queixas sobre sentenças injustas, falta de perspicácia dos juízes.
O novo Deus criou um novo processo e deixou somente os defuntos serem julgados por juízes, igualmente retirados da vida e das suas parcialidades. Existe então a mera transparência. Todos os invólucros caíram, a nudez está perante a nudez, nenhuma retórica logra exercer influência sobre o Tribunal. É a exposição mítica da vitória da crítica socrática sobre a retórica sofística, que só podia dominar sob as condições de opacidade do corpo.
O dogmatismo cristão só em parte anulou o mito da reforma judicial de Zeus. Também para a escatologia teológica é decisivo que o crente saiba o nome do seu Juiz. Pertence às subtilezas deste capítulo dogmático que não é o Pai Criador do mundo que preside ao Grande Tribunal, mas o Filho: o filho de humanos de Nazaré, que prometera o seu regresso das nuvens celestes no dia do Juízo. Os destinatários desta promessa, ainda vivos eram originariamente aqueles que perante Ele teriam de comparecer. Só mais tarde, com o adiamento do fim do mundo, seriam aqueles, que ainda jaziam nos seus corpos, ressuscitados pelo toque das trombetas do Tribunal.
O rigorismo da ideia de Tribunal surge suavizado através da corporeidade em ambos os lados, como o comum entre o Deus Juiz tornado humano e aqueles a perante ele serem julgados. De qualquer forma, a sentença judicial estava já fixada no Livro da Vida. Como as sentenças absolutórias que o Apóstolo na Carta aos Romanos deixa garantidas na crença da morte e ressurreição do Salvador. Esta ideia da justificação como pressuposta absolvição relaciona-se com a convicção do Fariseu fiel à lei de que receio de punição e esperança de pagamento corrompem a orientação do cumprimento das leis. Resta finalmente colocar a questão, se com estas transformações da ideia originária se esgotaram as suas possibilidades. Se assim tivesse sido, Nietzsche não teria podido acrescentar a sua importante variante com o título clássico de “viagem pelo Hades”: O ainda vivo vê-se sob o olhar de Juízes de Mortos por ele próprio escolhidos. Ele existe e julga-se no seu presente imaginado segundo os parâmetros destes. Também ele, como Ulisses, houvera estado no Mundo Subterrâneo e estará ainda com frequência, participa Nietzsche de si mesmo. Nisso houvera elegido quatro pares de nomes, pelos quais quisera deixar ditar-se o justo e o injusto: O que eu simplesmente diga, decida, para mim e para outros pense: nesses oito fixo os meus olhos e vejo os seus olhos fixos em mim.É o pensamento que, na época da individualidade, se tornou possível, de que se elejam para Juízes dos Mortos aqueles que lhe são ou poderão vir a ser mais próximos na determinação do seu próprio. Será então um mito da ética como decisão para, e sobre, cada existência. Talvez ela nem sempre chegue tão decidida e tão abrangente aos seus nomes, como sucede com Nietzsche. Ele evoca para si: Epicuro e Montaigne, Goethe e Spinoza, Platäo e Rousseau, Pascal e Schopenhauer.
A atenção vai para o posicionamento das figuras e não para os conteúdos do seu pensamento. mira está a posição das figuras, não os conteúdos do seu pensamento. De outra forma Platão não poderia estar aí; e também não Pascal e também Rousseau não. Se Epicuro é nomeado em primeiro não é por mera casualidade, porque foi ele quem introduziu o pensamento elementar no mundo do seu jardim-escola ao, numa carta, inventar a formula do imperativo: Sic fac omnia, tamquam spectet Epicurus! Traduzindo livremente e apoiando-se no formulário do imperativo categórico de Kant: comporta-te de forma, a que a máxima do teu comportamento, seja aprovada por Epicuro.Um paradoxo poderá persistir na coisa: Talvez se precise uma vida inteira, para encontrar os nomes dos seus Juízes dos Mortos - a mesma vida, para a qual se houvera necessitado já tê-los encontrado, para ser aquele, que se houvera pretendido ser, para ser dignificado no seu juízo. Não basta portanto encontra-los e nomeá-los, mas sim também faze-lo a justo tempo. Para isso talvez seja conveniente, não cocmeçar muito tarde com a filosofia. O paradoxo reconduz a Sócrates.
Hans Blumenberg: A Completitude das Estrelas
Traduzido do original (Die Vollzähligkeit der Sterne) por Carlos Aguilar.
Cristina Pombo colocou os pontos nos is e as cedilhas nos seus lugares, deu umas quantas voltas na sintaxe sem as quais o texto teria ficado legivel, mas imcompreensivel. `Brigado, Tina
Hans Blumenberg: A Completitude das Estrelas
Traduzido do original (Die Vollzähligkeit der Sterne) por Carlos Aguilar.
Cristina Pombo colocou os pontos nos is e as cedilhas nos seus lugares, deu umas quantas voltas na sintaxe sem as quais o texto teria ficado legivel, mas imcompreensivel. `Brigado, Tina
NB:
Blumenberg escreve literalmente no segundo parágrafo: "O julgamento nem sempre foi somente realizado sobre os mortos". Intendido terá sido certamente "pelos" e näo "sobre os".
NOTAS PESSOAIS:
Algumas notas para, primeiramente, simplificar, e daí, complicar, e a partir de cada uma das simples complicações novamente multiplicar (a vida é um vídeo e não uma foto; uma foto é uma aberração sem vida).Nota da nota:simplificar, não dobrar, a raiz remete para o latim simplex, em alemão, einfältig = uni dobrado (mais correcto seria, não dobrado, ohne-, un-fältig, como no latim sine, embora o Langenscheid afirme que remete não para o latim sine, mas sim para o indo-europeu sem ("um"). A raiz mais esclarecedora encontra-se no francês plier (dobrar). Complexo, compliqué, vielfältig, com dobra(s). Simplificar, complicar, multiplicar, e em cada produto dessa multiplicação um novo simplificar, como eterno retorno, a roda viva, a vida.
Logos:
Razão, Verbo (palavra), discurso oral/verbal e escrito, sentido, referencial às ideias (Platão).
Platão: discípulo de Sócrates, e professor de Aristóteles, o grande trio da Grécia clássica. Sócrates, foi condenado pela democracia ateniense a beber o Schierlingsbecher. Para alguns, uma das autenticas causas - parece que têm um cunho pessoal, as "autenticas", as não pessoais são mais aparentes - porque Platão não figura entre os grandes apologistas da democracia.
Transição dos Deus:Ilha dos Abençoados, Campos Elisios:
Livro da Vida:Tema Blumenbergiano, aquilo que realmente dignificou a sua fama. Se a Vida é um Livro, é necessário aprender a sua linguagem, a sua sintaxe, a sua semântica e a sua etimologia, é a Legibilidade do Mundo. Por mais que houvesse um único exemplar do Livro do Mundo, por mais indubitável a sua credibilidade, são múltiplas, quiçá inúmeras, as suas possíveis leituras - o livro é completo no dualismo Livro/Leitor, não no monismo Livro/Escritor. E, porque essas possíveis leituras ocorrem em paralelo num mesmo espírito - como num romance policial em que o leitor joga múltiplas variações da motivação do assassino e da estratégia do comissário para antever o seu final - não é suficiente aprender uma gramática e um vocabulário, urge "sonhar" em metáforas para viver (que é um outro termo para o "conto" ou "narração" de Neil Postman). O trabalho do filósofo, curiosamente convertido em geólogo ou arquivista, consiste então na "metaforologia" (estudo das metáforas que como flechas atravessando um corpo se estendem pela historia da civilização).
Chronos e seus titãs
Zeus
Viagem pelo Hades
Ulisses
Epicuro e Montaigne
Goethe e Spinoza
Platão e Rousseau
Pascal e Schopenhauer.
Jardim-escola de Epicuro
Imperativo categórico de Kant:
Um agradecimento especial para as proposicöes da Isabel e da sua amiga Paula.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2008
HANS BLUMENBERG: Os Nomes dos Juizes dos Mortos
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da pesada
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