domingo, 27 de julho de 2008

realizando sonhos...

Randy Pausch foi professor de informática na Universidade Carnegie Mellon, USA. Em Agosto de 2007 os médicos haviam-lhe dado tres a seis meses de vida, após detectarem um cancer incurável no pancreas. A 18 de Setembro de 2007 fez a sua "Last Lecture", a ultima aula, geralmente um acontecimento memorável que marca o fim de uma carreira académica.
A Last Lecture de Randy Pausch foi um testemunho, perante um publico universitário, que quiz deixar para a sua esposa e os seus tres filhos - dois, quatro e seis anos de idade, cuja infancia, juventude e adolescencia sabe näo poder acompanhar. Randy Pausch faleceu com 47 anos de idade a semana passada na sua casa em Virginia.
A noticia do seu falecimento está na origem da minha leitura da sua "Ultima Licäo", motivado pela curiosadade de imaginar o que eu faria, se aquela fosse a minha ultima licäo.
Creio mais justo deixar aqui o estrato näo-comentado da Ultima Licäo de Randy Pausch que anotei para incluir no meu próprio testamento:

"when you’re screwing up and nobody’s saying anything to you anymore, that means they gave up. And that’s a lesson that stuck with me my whole life. Is that when you see yourself doing something badly and nobody’s bothering to tell you anymore, that’s a very bad place to be. Your critics are your ones telling you they still love you and care."

"Quando tudo te sai mal e ninguém mais te repreende, significa que te abandonaram. (...) A questäo é que quando te deparas perante ti mesmo fazendo coisas menos boas e ninguém se dá ao trabalho de dizer-te-lo, é porque estás realmente num local muito mau. Os teus criticos säo aqueles teus dizendo-te que ainda gostam de ti e se interessam"
Randy Pausch, Really Achieving Your Childhood Dreams


MATERIALS:
Transcripcäo original da Last Lecture
http://download.srv.cs.cmu.edu/~pausch/Randy/pauschlastlecturetranscript.pdf

A Last Lecture no youtube
http://www.youtube.com/watch?v=ji5_MqicxSo

Experience is what you get, when you do not get what you want.
Randy Pausch

quinta-feira, 17 de julho de 2008

poesia & auto-poiesis...

para estragar-me esta tarde de Veräo cinzento, deparei-me como em tropeco numas páginas de Borges, a transcricäo de uma série de conferencias que este deu no Teatro Coliseu em Buenos Aires em 1977, posteriormente compiladas em "Siete Noches". As páginas do meu tropeco (näo sei em que época do ano foram proferidas as palavras correspondentes, mas indubitávelmente na mesma estacäo que a minha - como o Inverno portenho corresponde a este Veräo centro-europeu) levam por titulo "A Poesia", e säo umas quantas consideracöes sobre a poesia em geral e sobre dois poemas. O primeiro deles é um soneto de Francisco de Quevedo, uma figura do barroco, nascido algumas semanas após a morte de Camöes, numa Peninsula Ibérica unificada, (o tal que escreveu a obra perdida "História de Don Sebastiao, Rey de Portugal"), a seu tempo secretário e amigo pessoal do Gran Duque de Osuna, Pedro Tellez-Giron.
Canta Quevedo:

Faltar pode à sua pátria o grande Osuna
mas näo a sua defesa as suas azanhas
deram-lhe morte e carcel as Espanhas
de quem ele fez escrava a Fortuna
...
O pranto militar cresceu em diluvio
deu-lhe o melhor lugar Marte em seu solo
a Mosela, o Reno, o Tejo e o Danubio
murmuram com dor o seu desconsolo



Analisa Borges que

"Quevedo deixou-se arrastrar pela ideia de um herói chorado pela geografia das suas campanhas e por rios ilustres. (...) Houvera sido mais verdadeiro dizer a verdade (...). Com a morte [de um ser humano] morre uma cara que näo se repetirá, segundo observou Plinio. Cada ser humano tem uma cara única e com ele morrem milhares de circunstancias, milhares de recordacöes. Recordacöes de infancia e rasgos humanos demasiadamente humanos. Quevedo parece näo sentir nada disto. Havia morrido na carcel o seu amigo, duque de Osuna, e Quevedo escreve este soneto com frialdade."

É senso comum que os unicos e verdadeiros amigos säo os amigos que sentem e vivem a amizade sem exaltacäo e com sobriedade, que a amizade por exaltacäo é uma amizade por algo näo existente, por uma mera projecäo (nas palavras de Aristoteles, no nono livro da Ética a Nicomachos: "näo se amavam um ao outro, mas sim aquilo que estava em eles, e isso näo era duradouro"). É senso comum ainda, que há um caminho e uma árdua tarefa antes de conseguir estabeler um elo de ligacäo entra a projecäo que cada um de si faz e o que cada um é (é dificil também tornar-se amigo um de si mesmo). Näo sei se será ainda senso comum, que esse elo de ligacäo é uma tarefa infinita, e como tal, talvez seja conveniente ir cumprindo-la com uma boa racäo de prazer.

Recordei-me näo sem algum assombro que 1977 é annus horribilis na história argentina, de plena "Guerra Suja", a Junta Militar do General Videla, Desaparecidos, as Maes da Praca de Maio... e que enquanto Borges proferia a sua conferencia sobre Quevedo, quizas na mesma manzana (o quarteiräo portenho), uma outra poesia, esta terrivel e sangrenta, se realizava.

Näo sei quem disse que "nos tempos que passam é um crime falar de poesia", o que é verdade - mas täo verdade é também a sua inversäo "nos tempos que passam é um crime näo viver em poesia".

Borges terminou essa conferencia em 1977 com um verso de Angelus Silesius lido em alemäo , que vai assim:

Die Rose ist ohne warum; sie blühet weil sie blühet.
(A rosa é sem porque; floresce porque floresce.)
Angelus Silesius

acrescento como epilogo:

Der Dorn hat einen Warum...!
O espinho tem um porque...!

P.S.

Complicada esta coisa da Poesia. Auto-poiesis é o processo de autocriacäo e automanutencäo de um sistema. Consta que a vida é autopoiética, e a poesia como parte da vida... Autopoiético também este sorridente entardecer de um céu de veräo cinzento, por trás do qual descortino imensos palcos azuis. Também ele näo tem porquê.

Athene noctua

A coruja (o simbolo do pensamento metafisico na Europa antiga) simboliza o envelhecer do mundo, que resultou das primeiras culturas em redor do Mediterraneo; representa uma forma de observar, para a qual, tanto no bem como no mal sempre tem sido demasiado tarde.(...) No ultimo saber estäo lacradas as ultimas palavras das coisas e estäo depostas as suas necrologias.
Peter Sloterdijk: Kopernikanische Mobilmachung und
ptolemäische Abrüstung (mobilizacäo copernicana e desarmamento ptolemaico)

Dizia Schrödinger que a vida é um estado de desequilibrio (o equilibrio seria e é a morte). O "ultimo saber" de Sloterdijk é um livro escrito no Impossivel, algo que nos seduz por näo existir, näo podendo também näo ser imaginado. É o olhar estupefacto da coruja, aquela que ve na noite (mais correctamente do mocho-galego, da Athene noctua), companheira da insuperável Athena, deusa da sabedoria. É quicas, o que o cosmopolitismo popular expressou posteriorment num proverbio, "levar corujas para Atenas" (fazer algo inutil).

segunda-feira, 14 de julho de 2008

LEONARD COHEN: Everybody knows




Everybody knows that the dice are loaded
Everybody rolls with their fingers crossed
Everybody knows that the war is over
Everybody knows the good guys lost
Everybody knows the fight was fixed
The poor stay poor, the rich get rich
Thats how it goes
Everybody knows

Everybody knows that the boat is leaking
Everybody knows that the captain lied
Everybody got this broken feeling
Like their father or their dog just died

Everybody talking to their pockets
Everybody wants a box of chocolates
And a long stem rose
Everybody knows

Everybody knows that you love me baby
Everybody knows that you really do
Everybody knows that youve been faithful
Ah give or take a night or two
Everybody knows youve been discreet
But there were so many people you just had to meet
Without your clothes
And everybody knows

Everybody knows, everybody knows
Thats how it goes
Everybody knows

Everybody knows, everybody knows
Thats how it goes
Everybody knows

And everybody knows that its now or never
Everybody knows that its me or you
And everybody knows that you live forever
Ah when youve done a line or two
Everybody knows the deal is rotten
Old black joes still pickin cotton
For your ribbons and bows
And everybody knows

And everybody knows that the plague is coming
Everybody knows that its moving fast
Everybody knows that the naked man and woman
Are just a shining artifact of the past
Everybody knows the scene is dead
But theres gonna be a meter on your bed
That will disclose
What everybody knows

And everybody knows that youre in trouble
Everybody knows what youve been through
From the bloody cross on top of calvary
To the beach of malibu
Everybody knows its coming apart
Take one last look at this sacred heart
Before it blows
And everybody knows

Everybody knows, everybody knows
Thats how it goes
Everybody knows

Oh everybody knows, everybody knows
Thats how it goes
Everybody knows

Everybody knows

quinta-feira, 10 de julho de 2008

NANCY SINATRA: bang, bang...

my baby shot me down



I was five and he was six
We rode on horses made of sticks
He wore black and I wore white
He would always win the fight

B*ng b*ng, he shot me down
B*ng b*ng, I hit the ground
B*ng b*ng, that That awful sound
B*ng b*ng, my baby shot me down

Seasons came and changed the time
When I grew up, I called him mine
He would always laugh and say
Remember when we used to play?

B*ng b*ng, I shot you down
B*ng b*ng, you hit the ground
B*ng b*ng, that awful sound
B*ng b*ng, I used to shoot you down

Music played and people sang…
Just for me the church bells rang…

Now he's gone I don't know why
And till this day some times I cry
He didn't even say goodbye
He didn't take the time to lie

B*ng b*ng, he shot me down
B*ng b*ng, I hit the ground
B*ng b*ng, that awful sound
B*ng b*ng, my baby shot me down.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

o numero de inimigos...

Li algures «molti nemici molto onore» (muitos inimigos, muita honra). É, exactamente como constava nesse tal algures - conferi isso numa página sobre Il Duce, Benito Mussolini - um lema fascista. Sem aspas (no algures, o senhor dizia que era "fascista" - com as aspas, claro). Bem, encontrei aí também uma "costela marxista" e umas reflexöes sobre consciencia de classe, etc., que foi precisamente com essa conjugacäo que engracou a minha curiosidade.
Diz Nietzsche em algum lugar que os inimigos dignificam, mas o lema fascista näo me soa nietzscheniano, muito pelo contrário, soa-me mesmo a fascismo (aqui também sem aspas) na sua pior denotacäo, como a descrita em 1900 do Bertolucci.
Tentando uma interpretacäo rápida: o lema de Mussolini foca a quantidade - há uma proporcionalidade directa entre o numero de inimigos e o o valor da honra, quantos mais inimigos mais digno o acto (de aqui o Bertolucci), é o crime pelo crime; o lema nitzscheniano foca a qualidade: näo é o numero de inimigos que é significante, näo é a quantidade, mas sim a qualidade que repercute sobre a dignificacäo. Há fulanos, e a grande maioria dos candidatos entram nesta categoria, que näo merecem ser meus inimigos. Há que merecer-se os seus inimigos também (e, desconfio que seja mais dificil merecer a inimizade de alguém que a sua amizade).
E há um farolito ali a chamar a minha atencäo para algo mais. No elan revolucionário, enquanto o movimento näo é ainda instituicäo, confunde-se com frequencia o numero de inimigos com a veemencia com que se abanica o estandarte da justica (Robespierre, Trotzky), teem sorte os conservadores.

Carlos Aguilar


o algures (MATERIAIS & LINKS ABANDONADOS):
http://estadocivil.blogspot.com/
http://www.ilduce.net/duce.htm

domingo, 6 de julho de 2008

sobre algumas dificuldades em adquirir a felicidade por encomenda...

Escutei em diversos lugares "passem bem", "sejam felizes". Como väo digiridos a uns tantos, porque é isso que nos ensina a concordancia gramatical, näo sei se é uma "passagem de bem" e uma felicidade a serem repartidas pelos destinatários, ou se se tratará mais de uma bem-passagem e felicidades sem volume, incomensuráveis, da mesma forma que se diz de um rio que leva água e näo se espera que a água que o rio leva algum dia se esgote.
Incomoda-me o imperativo, o "sejam!" e o "passem!", por trás dos quais sempre se vislumbra um ar sério, uma face imposante, acompanhados de um olhar expressivo e autoritário. Entäo, e se eu quizer a felicidade só para mim? Ou, se eu näo quizer ser feliz? Recordo que näo sei em que país islamico o suicidio consta no Código Penal que poderá ser punificado com pena de morte. Bem, há felicidades e há felicidades, a verdade seja dita, e aqui até que a justica tem algo de justo. Como geralmente säo expressos em tom de voz elevado os "SEJAM FELIZES!!!" e "PASSEM BEM!!!", assusto-me constantemente, dou logo um pulo da cadeira, e fica um exagero de adrenalina no meu sistema hormonal, que necessita de tres voltas pelo quarteiräo que inclui entre outras a minha casa.
Bem, tenho uma teoria: que esses votos aparentemente bem intencionados, nem sequer a aparencia de bem intencionados querem adquirir. E que o "Sejam felizes!" significa "sem mim", o equivalente a um "Vai à vida, pá!"
Ou, colocando a questäo em termos mais filosóficos ("Filosofia é quando se ri" dizia Blumengerg, "e ri-se por falta de juizo"): Arthur Schopenhauer publicou num pequeno tratado intitulado "Dialéctica Eristica - A arte de sempre ter razäo" 38 truqes de como atingir essa finalidade. Diz-se que, origináriamente Schopenhauer havia querido prever um epilogo logo na primeira edicäo, mas que se convenceu que era um aviso redundante, porque haveria sómente duas leituras possiveis, uma leitura sarcástica, acompanhada de um sorriso permanente e uma leitura insensata, que necessitaria dos 38 truques para simular a sensatez. Desde entäo ambas as fracöes atiram-se com "passem bens" e "sejam felizes".
P.S.
Eris foi a Deusa da disputa grega (a Discórdia romana), filha de Nyx, Deusa da Noite (e da noite e do caos nasceu o dia). De Eris canta Homero na Iliada: "O que ela alguma vez haja comecada näo pode jamais abandonar. O seu pequeno vulto ergue-se para um tamanho e beleza gigantescos". E, como da beleza nasceu o Amor, também os inimigos (os idolatrantes da Discórdia) teem que se merecer! (Näo sei de onde eu roubei isto, mas a sua poesia näo pode evidentemente ser - só - minha.)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

DAVID HUME: O esboco grosseiro de um deus infantil

Este mundo é demasiado defeituoso e imperfeito (...) e foi somente o primeiro intento grosseiro de algum deus infantil, que depois o abandonou, envergonhado da sua aleijada execucäo; é somente a obra de um deus subalterno e inferior, e é o objecto do escárnio dos seus superiores; é a producäo da idade avancada e da demencia em algum deus aposentado...

David Hume, Dialogues Concerning Natural Religion

This world is very faulty and imperfect (...) and was only the first rude essay of some infant deity who afterwards abandoned it, ashamed of his lame performance; it is the work only of some dependent, inferior deity, and is the object of derision to his superiors; it is the production of old age and dotage in some superannuated deity...

MATERIALS & LEFT links
Sartre falará duzentos anos depois do trabalho de um remendador e näo de um sapateiro. É uma versäo mais prosaica, mais seculo XX, "menos iluminista"